
Foto: Carlos Eduardo Teófilo (Pascom Diocese de Nazaré)
DISCURSO DE DOM FRANCISCO LUCENA NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
SESSÃO SOLENE - CENTENÁRIO DA DIOCESE DE NAZARÉ
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO PERNAMBUCO (Alepe)
02 DE ABRIL DE 2018
"É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas a graça das graças é não desistir nunca", diz Dom Helder Câmara. Quero externar a esta Assembleia minha satisfação e simplicidade em participar dessa grande solenidade. Sou grato à Divina Providência que me concedeu essa graça, não por mérito pessoal, mas como representante e servidor de uma Igreja Particular viva e atuante. Deus tem seus planos!
Querida Diocese de Nazaré, criada pelo Papa Bento XV, no dia 02 de agosto de 1918, com a Bula Archidiocesis Olindensis et Recifensis; que até então fazia parte da Arquidiocese de Olinda e Recife, da qual foi desmembrada totalmente, juntamente com Garanhuns e Pesqueira.
A Arquidiocese de Olinda e Recife generosamente doou uma parte de seu território para que fosse constituída uma nova Diocese – aliás, três Dioceses – em terras pernambucanas. E Deus já deu a sua recompensa infinitamente! Eis "um filho de Nazaré, que nasceu e vive entre canas, e sabe das dores e das alegrias históricas dessa região, em especial pelo seu contexto católico e afrodescendente; esse filho de Nazaré, escolhido, nesse ano jubilar da sua diocese de origem, pelo papa Francisco, para ser o novo bispo auxiliar de Olinda e Recife, o Mons. Limacêdo Antônio da Silva”. Como se vê, Deus possui uma maneira própria de agir em relação a cada um de nós. Conhecendo o nosso coração, Ele oferece aquilo de que temos mais necessidade e não deixa que nada nos venha faltar (cf. SI 22).
É bem verdade que a organização da Igreja, em todo o Brasil, só conseguiu progredir após a separação total entre a Igreja e o Estado, em 1889, com a proclamação da República. O regime do padroado, que vigorou no período colonial e também durante o tempo do Império brasileiro, confiava ao Estado o cuidado da Igreja; essa circunstância, no entanto, manteve as ações da Igreja ligadas aos interesses e decisões do Estado. E isso, de certa forma, reprimiu a Igreja na execução de sua missão. O fim do padroado gerou protestos, inclusive por parte da Igreja, mas revelou-se rapidamente como uma grande vantagem: livre da tutela do Estado, a Igreja conquistou liberdade e pode desenvolver-se com uma dinâmica própria.
Neste jubileu centenário, é uma boa ocasião para recordar a história da nossa querida Diocese, de seu caminho evangelizador e dos pastores que a guiaram e serviram, animando-a no cumprimento de sua missão. Aquilo que a Igreja é hoje, com sua organização e suas estruturas pastorais, foi edificado pelas gerações que nos antecederam. Não é uma criação do nada! Grandes líderes católicos já militavam e já se sentiam Igreja de Deus de um modo profundo aqui nessa região.
Durante o século de sua existência, a Diocese de Nazaré foi governada por sete bispos diocesanos: Dom Ricardo Ramos de Castro Vilela (1919 – 1946); Dom Carlos Gouvêa Coêlho (1946 – 1955); Dom João de Souza Lima (1955 – 1958); Dom Manuel Pereira da Costa (1959 – 1962); Dom Manuel Lisboa de Oliveira (1963 – 1986); Dom Jorge Tobias de Freitas (1987 – 2006); Dom Frei Severino Batista de França, OFMCap. (2007 – 2015). Cada um deles marcou a Diocese de Nazaré com o testemunho de sua caridade pastoral, deixando-nos uma rica herança de vida eclesial. Rememoro, aqui, com gratidão a Deus, todos esses meus predecessores.
E mais: as comunidades, as igrejas e paróquias de nossas 35 cidades foram construídas e servidas, antes de nós, por tantos sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas, seminaristas, catequistas, missionários e missionárias, leigos e leigas, que trabalharam generosamente e ali deixaram seu testemunho de fé; da mesma forma foram formadas obras sociais, culturais e de cunho educativo, que hoje constituem o patrimônio de nossas cidades e de nossa Diocese. É hora de acolher e valorizar, com renovada consciência, o incalculável patrimônio da fé e do testemunho cristão daqueles que nos antecederam nessa missão. É tempo de agradecer a Deus pelas graças e bênçãos recebidas.
Por outro lado, esse jubileu centenário lembra-nos que a Diocese de Nazaré, hoje, está em nossas mãos – com mais de um milhão de habitantes, 39 paróquias e 04 Áreas Pastorais. Isso significa que a realização da missão no litoral, em parte da Região Metropolitana do Recife, na Zona da Mata Norte e em parte do Agreste Pernambucano agora depende de nós. A evangelização é uma tarefa inconclusa, e precisa ser retomada e cuidada continuamente. A isso, pressupõe-se não apenas conservar edifícios religiosos ou um patrimônio cultural, mas construir a Igreja viva e ajudar a arquitetar a convivência humana de acordo com os desígnios do Senhor.
O território diocesano de Nazaré tem realidades diversas. Coexistem riqueza e miséria, avanços e retrocessos. Nossa missão eclesial é ajudar todas as regiões a valorizarem suas raízes e a permanecerem um lugar humano e vivível. O Evangelho de Jesus Cristo deve ser comunicado com convicção e alegria às novas gerações, a fim de permear os novos ambientes de convívio e de organização social. Temos circunstâncias de dor e também de bondade que quase ninguém percebe. Uma Criança, por exemplo, é sinônimo de vida, de alegria. Contemplar, de repente, uma criança com uma séria enfermidade, sem tratamento, dói no mais íntimo do coração; o olhar dos encarcerados, buscando razões para continuar acreditando. Idosos fitando o horizonte, dando a impressão de que nada veem. Pedidos de cestas básicas para alimentar a família, em virtude da falta de emprego – porque o engenho fechou, a usina está em crise, o corte da cana é realizado em poucos meses.
No meio de tudo isso, vemos mãos que doam, lábios que proferem palavras de estímulo, sorrisos que confortam. E esse é um dos lados invisíveis das nossas cidades diocesanas: o grande número de voluntários que perceberam que ‘há mais alegria em dar do que em receber’ (At 20,35). “Tais pessoas dedicam uma parte de seu tempo, e muito de seu amor, aos que sofrem, como se dissessem a cada um deles: Você não está sozinho! Você é muito importante!; e acrescentando com o poeta: ‘Levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima!’”.
A história da Diocese de Nazaré é escrita por Deus e por uma multidão de anônimos, cujas faces não são conhecidas e, por isso mesmo, não são recordadas. Há uma rede de amor e solidariedade em cada cidade – uma rede que não é virtual, mas bem real. São bastantes iniciativas em favor dos que estão à margem da sociedade e muito cuidado com quem não pode cuidar de si mesmo. Ninguém é mais importante do que os outros. “Na linha dos ensinamentos de Jesus Cristo, importante é quem serve, quem volta o seu coração para Deus e, por isso mesmo, abre os braços para acolher os irmãos e as irmãs”.
Essa diocese invisível, feita de amor, antecipa a Jerusalém celeste, a cidade para a qual todos nós estamos caminhando. O lugar onde não haverá mais choro nem dor, como lemos no Apocalipse. A cidade que não precisará nem do sol nem da lua para ser iluminada, ‘pois a glória de Deus é a sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro’ (Ap 21,23). Não é utopia, pois isso é um sonho de Deus. E como sonho de Deus, não temos dúvidas de que, um dia, este novo céu e esta nova terra serão uma realidade. Neles haverão de habitar os que colaboraram com a construção de cidades e campos bem desenvolvidos. Não deixemos que nos roubem a esperança, a honestidade. Verdadeiramente, avancemos! Avancemos! Fazer parte desta história é motivo de grande júbilo para todos nós.
Sob a proteção de Nossa Senhora da Conceição, nossa excelsa padroeira diocesana, e São Severino do Ramos, das grandes romarias na Diocese de Nazaré (embora ainda não diocesano), desejo que essa solenidade do centenário de criação da querida Diocese de Nazaré nos comprometa a viver a fé viva, renovada e atuante, capaz de se expressar em gestos concretos de amor e solidariedade, e que responda aos muitos desafios do mundo atual. Obrigado!
Dom Francisco de Assis Dantas de Lucena
Bispo de Nazaré-PE